Abril no Centenário da Imigração Japonesa, 08/02/2008 - por Nádia Sayuri Kaku

- Qual é a história de imigração para o Brasil da sua família?
Meu avô, Harema Inoue, era militar, estava freqüentando a Academia da Marinha e chegou a ser contemporâneo do famoso Almirante Yamamoto. Os pais dele eram proprietários rurais. A família de minha avó, Kanetiyo Kira (nome de solteira) era de samurais. A transição para a era de Meiji fez com que a agricultura sofresse muito e, com isso, meu avô teve de abandonar a Academia para ajudar na terra. Mas nem isso ajudou, pois continuaram enfrentando problemas de falta de mão-de-obra e mesmo falta de quem comprasse o arroz que produziam. Foi nessa época que minha avó ajudou muito produzindo papel de arroz (minha esposa, que é escritora e artista plástica, ainda tem um pouco desse papel e o utiliza em suas obras). Mas isso não chegava a sustentar todas as despesas da propriedade que precisou ser vendida muito barato. Então surgiu a oportunidade da emigração para o Brasil. Meus avós não vieram na primeira leva, mas na segunda, em 1912. Conseguiram vir com um pouco de dinheiro, o que facilitou bastante o início de vida para eles. Inicialmente foram para o noroeste do Paraná (onde meu pai, Ryoma Inoue, nasceu e, depois compraram uma fazenda em Cerqueira César. Essa fazenda, apesar de grande, não tinha boa aguada e eles mudaram para Cotia, com o objetivo de plantar batatas. Meu pai se formou médico, meu tio advogado (Gervásio Tadashi Inoue, que foi o presidente que mais tempo ficou à testa da Cooperativa Agrícola de Cotia), e as duas irmãs casaram-se com agricultores, a mais velha, Haruko, indo para Bragança Paulista e a mais nova, Nobuko, foi para Caucaia.

- Como foi a viagem de seus pais/avós ao Brasil? Como foi a adaptação deles ao Brasil?
Não tenho muitas informações quanto a isso, mas sei que foi difícil. O tratamento a bordo não era bom e a comida era completamente diferente daquela a que eles estavam acostumados. Muitos ficaram doentes. E, quando chegaram a Santos, foram obrigados a vestir roupas ocidentais, só que do fim do século anterior (Século XIX) e as mulheres tiveram de usar sapatos de salto alto, coisa que nunca tinham visto antes. Esse desagradável acontecimento foi por conta de alguma maracutaia do pessoal da Imigração que recebeu dinheiro para a compra de roupas e compraram só coisas velhas e usadas. Coisa típica do Brasil, mesmo àquela época...

Observação: Essa história da chegada e da adaptação deles aos costumes brasileiros eu conto com bastantes detalhes no livro (romance histórico) que escrevi para a Editora Globo, “Saga – A história de quatro gerações de uma família japonesa no Brasil”, lançado em outubro de 2006, justamente visando o centenário da Imigração Japonesa, pois descreve os acontecimentos desde 1908 até os dias atuais).

- Em quais cidades seus pais estabeleceram? Trabalharam com qual atividade?
Eles andaram por várias cidades, mas principalmente Ribeirão Claro (Paraná), Cerqueira César (São Paulo) e Cotia (São Paulo). Meu pai foi clinicar em Campos do Jordão, depois Taubaté e por fim em Brasília (DF). Aposentado, mudou-se para Piúma (ES). Ao lado da medicina, ele sempre lidou com a agricultura, seguindo os passos de meu avô, com a diferença que a sua paixão era a pecuária de corte. Meu tio sempre ficou em São Paulo, pois desde sempre esteve ligado à diretoria da Cooperativa de Cotia.

- Como foi sua infância e juventude?
Posso dizer que foram muito boas e que guardo muitas saudades daquela época. Eu sempre estudei em São Paulo, mas todos os finais de semana e férias ia para a fazenda, em Taubaté ou em São Luiz do Paraitinga. Daí a minha paixão pelo campo e, por isso, estou morando em Gonçalves, onde ainda posso tomar leite diretamente da vaca, conheço pessoalmente o porco que foi assado e as verduras são todas orgânicas.

- Quais costumes japoneses a sua família mantinha? O senhor tinha alguma atividade cultural ou esportiva japonesa?
Minha mãe era portuguesa (advogada e professora de filosofia, grego e latim). Por isso, os costume nipônicos não eram tão inculcados em nossa mente (minha irmã e eu). Comecei realmente a me interessar pela cultura japonesa e pelos costumes de meus antepassados quando estava já no ginásio. Mas na fazenda de meus avós, sempre havia festas japonesas com muita gente, muita comida. Hoje em dia, a Nicole, minha esposa e que é francesa, é adepta irrecuperável de comida japonesa e aprendeu a fazer sushi, sashimi e outros pratos típicos. Uma parte importante da minha formação nipônica eu adquiri no judô e no caratê, que pratiquei desde os sete anos de idade até cinco anos depois de sair da FMUSP.

- Por que escolheu medicina? E como foi a decisão de abandoná-la para se dedicar aos livros?
Escolhi a medicina porque meu pai era médico e eu sempre gostei (possivelmente influenciado) de biologia, e essas coisas que lidam com a vida. Eu imaginava que seria um médico como meu pai, mas descobri que os tempos mudaram e, com ele, o conceito de médico. O médico deixou de ser respeitado, principalmente no que concerne à parte material. Cansei de brincar de garça em junho de 1986, quando o INAMPS me pagou o equivalente a US$300 por 132 cirurgias realizadas em janeiro e fevereiro desse ano. E cortou, sem nenhuma vergonha, cirurgias como bala no tórax, facada no tórax, esmagamento de tórax, dizendo que não eram cirurgias de urgência... Daí, simplesmente desisti e passei a fazer a outra coisa que sabia fazer, ou seja, escrever.

- Fale sobre sua vida profissional: como descobriu seu talento para escrever? Como era no começo e como é hoje?
Como disse acima, comecei a escrever porque desisti de exercer a medicina e precisava sustentar a família. Como o que eu recebia por um original de pocket-book era muito pouco, precisava escrever muito para poder manter o padrão financeiro. Daí, quando percebi, tinha passado o recorde do Guinness. Eu nem sequer desconfiava que existia esse tipo de coisa, quem me alertou para o fato foi o Eduardo Rômulo Bueno, que naquela época (1991) trabalhava no Estadão. Escrevi muito... Quando fechei um contrato com a Abril, em 1992, tinha prazo para entregar os originais e precisei escrever três livros por dia durante quase um mês... Isso gerou uma reportagem de capa no Wall Street Journal, em que o jornalista, Matt Moffett, sentou-se ao meu lado para comprovar que eu era capaz de escrever um romance policial em seis horas. Esse romance foi publicado pela Editora Olho d’Água e teve uma boa repercussão. (Essa reportagem está no meu site).

- Fale sobre o Guinness Book
Não há muito o que falar... Eu jamais trabalhei visando figurar no Guinness, escrevia porque precisava. É claro que, depois de ser reconhecido pelo Guinness, muitas portas se abriram. Mas se você me perguntar se isso melhorou o meu ganho, terá uma negativa como resposta.

- O senhor já conheceu o Japão, né? Como foi a experiência?
Por incrível que possa parecer, nunca tive oportunidade de conhecer o Japão. Claro que gostaria muito de ir... Escrevi para os dekasseguis brasileiros a pedido de uma empreiteira de mão-de-obra, e criei uma espécie de James Bond mestiço, Mário Kiyoshi Nogaki, e os quatro títulos foram levados para lá e venderam cem mil exemplares. Pena que essa empreiteira tenha acabado e a série, por isso, foi descontinuada. Mas estou escrevendo novos títulos com esse personagem para um sistema de downloads na internet (www.cultvox.com.br ) e isso deverá estar disponível a partir de março.

- Descreva um pouco sua vida profissional, o que já fez, como foi...
Acho que já respondi essa pergunta, no meio das outras. Se quiser mais detalhes...

- Fale um pouco sobre sua família atual: vocês conhecem/gostam da cultura japonesa? Quais são seus hobbies? Atividades? Planos?
Atualmente minha família é constituída por minha esposa, Nicole, escritora e artista plástica; meu filho Georges (você já fez contato com ele), que é webdesigner (criador do meu site e de muitos outros) e atua como meu agente e homem de marketing; minha nora, Patrícia e a netinha, Caroline, com apenas dois anos e que é a luz da casa. Todos admiramos e seguimos muita coisa da cultura japonesa. Tanto assim que estou escrevendo uma série de livros de bolso sobre samurais e isso me obriga a estudar um pouco mais, a cada livro, sobre os hábitos ancestrais. Meu hobby é cachimbos e a preparação personalizada do tabaco que consumo. Continuo escrevendo e como planos... continuar escrevendo. Pretendo continuar lançando dois romances grandes por ano e, de permeio, produzir várias séries de novelas menores com o intuito de revitalizar o livro de bolso no Brasil e incrementar a leitura de livros digitais.

- Como você vê a mistura das culturas japonesas e brasileira na sua vida?
Acho que eu não seria quem eu sou e muito menos teria chegado ao que sou, se não fosse a cultura japonesa. Ensinamentos básicos orientaram efetivamente o meu comportamento diante de situações, aprendi a ter paciência, perseverança e força de caráter. Tenho passado isso para meu filho, com sucesso e espero que sobre alguma coisa para a neta. E essa opinião é partilhada por todos aqui em casa.

- Quais seus planos para o ano do Centenário?E para o futuro?
Gostaria de participar mais... Acho que teria alguma coisa a dar, por exemplo, sou o único nikkey (san-sei) que figura no Guinness, na área cultural. E, principalmente, acho que sou um bom exemplo de que a miscigenação funciona...

 
   
    © Copyright 1986-2006 by Ryoki Inoue. Todos os direitos reservados.